quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Lobos não primam pela presteza. Podem ficar à espreita de sua presa durante dias. Também não fazem caso de percorrer quilômetros e quilômetros a sua procura. Seus dentes prendem a presa mais do que a dilaceram, ao contrário dos felinos. Por este momento lobos – lobos muito raramente atacam sozinhos –, atacaremos nossa presa, para começar, pela Bíblia.


Aos que exigem razões para tudo, ei-las, uma a uma, para este começo:


- aprendi com alguns, feito Max Weber e Michel Foucault, a surpreender, no Cristianismo, um corte histórico brutal seja no pensamento, seja nas relações de poder, seja no modo mesmo de se relacionar com a vida, com a morte e consigo mesmo. Em outras palavras: um corte brutal no âmbito epistemológico, no âmbito político e no âmbito ético. Obs: nosso território (nunca casa, nunca moradia! no máximo, território) é sobretudo o da ética, sem dúvida.

- a Bíblia é, por excelência, o livro do Cristianismo.

- segundo dizem, a Bíblia é ou, ao menos, foi até pouco o livro mais lido do Ocidente. Hoje, talvez, seja o “Harry Potter”. Se é ou foi o mais lido – não importa – merece nossa atenção analítica. Orelha em pé a cada maioria, a cada consenso, a cada universal.

- costuma-se dizer da Bíblia como um livro uno. Prova disto seja, por exemplo, o argumento que ouvimos diariamente: “Mas isto está na Bíblia”. Não resta dúvidas de que, de fato, isto deve estar. Mas seu oposto também deve estar lá – páginas para frente, páginas para trás. A falta de unidade bíblica, aliás, é evidenciada em seu próprio título: τά βίβλια (tá bíblia)***, em grego, significa “os livros”.

- desta quarta razão, deriva a quinta: além das defasagens cronológicas entre a escritura dos diferentes livros da Bíblia e também entre os acontecimentos das narrativas, em si; além das diferenças geográficas; lingüísticas (afinal, há textos bíblicos originalmente escritos em hebraico, em grego, em latim); além de todas estas diferenças e até de outras, há uma gritante para qualquer leitor: a divisão entre primeiro e segundo testamentos. Críticos literários e semioticistas adoram encontrar unidades e totalidades, mas nem eles discordariam de que são bastante diferentes estes textos, a despeito das semelhanças. E é precisamente nesta diferença, neste corte, neste salto que talvez esteja a vulnerabilidade de nossa presa. Talvez. Uma hipótese.

Ao fim de cada Bíblia, há um índice, que pode receber o nome de Onomástico, Doutrinal, Bíblico-Pastoral etc. A diferença não está apenas nos nomes que recebem, mas também no que privilegiam: às vezes, os nomes de personagens e os espaços geográficos; às vezes, temas, como “amor”, “adultério”, “castidade”, daí para fora. Esta diferença, em verdade, só depende de quem editou a Bíblia. Seja como for, em nenhuma das três Bíblias pesquisadas havia, neste índice, uma entrada para “suicídio”. Poderia parecer que, na Bíblia, não há suicídio, mas há. Poderia parecer que fosse rigor histórico, pois a palavra “suicídio”, como já vimos, passou a ser usada apenas em 1737 e, portanto, muito depois do arco que compreende sua escritura, mas não é, já que termos, como “confissão”, “espiritismo”, “bispo”, “pagão”, que não existiam ou, decerto, não existiam com os significados que vieram a ganhar, lá estão presentes. Então, resta-nos supor que, simplesmente, para estes editores, o suicídio bíblico não interessa. Porém, para nós, sim.


Embora não possamos nos guiar por indicações deste índice, houve quem detectasse indistintamente momentos de suicídio, na Bíblia. Foram considerados como tal personagens que pediam que seus subalternos o matassem tanto quanto personagens que, de algum modo, se mataram a si mesmos.

Para hoje, não foi possível. Contudo, para semana que vem, começarei a empreender um esboço de análise de dois suicídios: o de Saul e o de Abimeleque, nos quais estes pedem a um terceiro que os matem.


*** Isto, em grego moderno. Em grego clássico, o acento do artigo seria grave, não agudo. Agradeço, de agora até o último dia, a supervisão (sobretudo) em assuntos clássicos e a companhia luminosa de Jonatas Eliakim. Sem quem, estas sutilezas de elefante, tipo a diferença entre os acentos do artigo em grego clássico e moderno, se perderiam.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Considerações sobre uma Velha Moradia estudantil


Em um Bairro Estudantil havia uma Velha Moradia: ampla, organizada, quartos pequenos, porém requintados, e moradores que compartilham de idéias bastante similares (o que não evita desentendimentos frequentes, como em qualquer agrupamento humano). Trata-se da moradia E. Quase todos os membros de moradias vizinhas ambicionam mudar para um dos confortáveis quartos da Velha Moradia; em decorrência disso, seus moradores passaram a adotar regras cada vez mais rígidas para evitar que eventuais visitas de final de semana acabem por se transformar em estada permanente.

Atualmente, algo incomoda os líderes dos quartos da Moradia E: o fascínio inspirado por outras moradias, em especial uma quase tão ampla e próspera quanto a Velha Moradia, porém dotada de influência muito maior no Bairro Estudantil. Trata-se da Moradia A. Essa foi organizada a partir de uma dissidência de E, contando, desde o início, com moradores imbuídos em um não-sei-o-quê místico, como se a eles coubessem revelar o verdadeiro sentido de compartilhar um mesmo espaço comum. Assim, a Moradia A pôde expandir-se de forma acelerada, valendo-se tanto de contradições internas de moradias limítrofes quanto, logo após, de conflitos de largas proporções entre os quartos da Velha Moradia. Essa expansão – que permitiu que a Moradia A pudesse se estabelecer em um imóvel ainda mais amplo e próspero do que o da Velha Moradia – teve, desde o início, regras bem estabelecidas, a partir de um regulamento definindo as garantias asseguradas a cada morador dos quartos, bem como os deveres e responsabilidades recíprocos entre os habitantes e seus respectivos quartos e a própria moradia. A construção e ampliação dos quartos de A demandou o auxílio de um multirão de vários ex-moradores da Velha Moradia, aos quais foi assegurada a possibilidade de estada no constructo.

Acreditando que a relativa centralização da Moradia A sob um regulamento comum foi a chave para sua prosperidade e influência (idéia ainda mais popular após conflitos interquartos que quase levou ao seu desaparecimento de toda a habitação), a Velha Moradia procurou criar uma maneira de possibilitar que decisões sobre elementos comuns importantes – por exemplo, como definir a quota de download da internet wi-fi da moradia a ser distribuída entre os quartos – fossem reguladas em bases claras e precisas, a partir de um procedimento de responsabilidades compartilhadas. Assim, sob direção dos quartos maiores, a Moradia E criou uma prática de estabelecimento de pequenos grupos de lideres de quartos para lidar com situações comuns aos quartos, sempre resguardando as peculiaridades dos moradores de cada unidade habitacional. Nesse contexto, foram criados, entre outros, auxílio financeiro aos quartos com moradores mais necessitados; padrão comum de respeito de cada quarto às liberdades de seus moradores; regras de manejo de lixo tóxico (como pilhas, baterias e lâmpadas fluorescentes) e maior mobilidade dos moradores da Velha Moradia entre os quartos (o que, cabe ressaltar, não ocorre em algumas moradias estudantis com excesso de moradores).

O estabelecimento de uma prática de decisões comuns na Velha Moradia foi se intensificando com o tempo, tendo sempre em mente o modelo de influência e, talvez, prosperidade da Moradia A. Avaliar (dentro de nossas modestas capacidades, é claro) como essa prática da Velha Moradia tem sido feliz em seus intentos será tarefa para a próxima terça-feira. Até lá!

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O que se passa na cabeça dos leitores do Estadão? (ou"Polifonia e reponsividade")

Não muito antigamente, isto é, antes da popularização da Internet, os chamados grandes conglomerados de comunicação detinham todo o poder e voz na esfera pública. Tudo o que era publicado passava necessariamente pelo crivo ideológico dos editores e aos leitores era permitido somente comentar as notícias no balcão de um bar ou à mesa no café-da-manhã. No entanto, muita coisa mudou neste ponto e, cada vez mais, os leitores ganham o direito de manifestar suas próprias opiniões (embora esse direito continue ainda bem limitado pela moderação dos editores). 

É pensando nisso que às vezes eu me pego pensando em certos fatos curiosos - nada inéditos, mas cada vez mais visíveis no jornalismo on-line - como o número e o gênero de comentários dos leitores do blog de Marcos Guterman, do Estadão. O texto a que me refiro leva o seguinte título: "Bin Laden é mesmo um fanfarrão", publicado no dia 29 de Janeiro. 



Em primeiro lugar, gostaria de dar uma bicadinha no slogan (se é que se pode usar esse termo) do blog dele: "Política internacional, história e algumas coisas legais". Ok, nada demais, realmente não acha nada de ruim nisso (olha que o corvo consegue até ser um pássaro doce de vez em quando!). Se eu mesmo tivesse um blog, também gostaria de colocar como subtítulo "Política internacional, história e algumas coisas legais". Isso me deixaria com um ar de cara intelectual (afinal, não é todo mundo que consegue discutir política internacional) e ao mesmo tempo legal, afinal escrevo sobre "algumas coisas legais", mas não tantas a ponto de me fazer parecer um cara do Kibeloco ou do Charges.com. 

Até aqui, tudo bem. A diferença é que, para escrever sobre "algumas coisas legais", não precisa ser contratado pelo Grupo Estado, eu mesmo posso fazer isso. Ou então, podemos pensar ao contrário: se Marcos Guterman escreve sobre dois assuntos relacionados e mais "algumas coisas legais", então eu também posso trabalhar para o Grupo Estado. Nestes aspectos, esboçados aqui mais ou menos grosseiramente, estamos em pé de igualdade. A diferença é que Marcos Guterman ganha para isso e eu não. Até aqui, tudo bem. Alguém pode me dizer que Marcos Guterman tem uma formação sólida em história e direito e, por isso, ele conquistou respeitabilidade e o direito de ter sua opinião legitimada na esfera pública. Este parece ser um argumento razoável para corvo nenhum botar defeito. Mas então eu seria obrigado a bicar de volta e crocitar que, para escrever um texto como este, não é preciso ter formação em nada. No máximo, ter concluído o Ensino Médio e não ter sido reprovado pela professora de redação. Para ter produzido as exatas oito linhas do texto de Guterman sobre Bin Laden, não é preciso ter formação e muito menos receber algum dinheiro para isso. 

Tamanho não é documento. Muitos poemas não passam de oito versos e conseguem atingir um grau de maestria no fazer literário. No entanto, não parece ser este o caso. Já a começar pelo título, desta vez o "fanfarrão" foi o próprio Guterman, que se valeu de um jargão de Tropa de Elite (emprestado de outro contexto, não inocentemente) para depreciar Bin Laden - ou sua atitude que é o motivo da "notícia", como veremos. 

O Fanfarrão Guterman já começa seu texto com uma expressão um pouco infeliz, referindo-se à Al Qaeda como "organização genocida islâmica". É um belo exemplo de linguagem politicamente correta, ponto-de-vista travestido de imparcialidade. Eu poderia ficar horas crocitando sobre outras "organizações genocidas" católicas, agnósticas, comerciais, midiáticas, religiosas, publicitárias entre outras... mas sobre esse assunto crocitarei outro dia. Na segunda linha, ele coloca sob a  expressão "preocupado com o aquecimento global" um link para a matéria do Washington Post que motivou o seu próprio texto. Quem ler o primeiro  parágrafo inteiro de Guterman (ou seja, 75% do seu texto) vai ver que ele nada mais faz do que parafrasear e resumir a matéria do jornal americano. Ora esta, não sei se estou sendo um corvo muito ingênuo, mas me parece que surge daí um contrassenso do tamanho de um elefante. Se o texto original, isto é, aquele em que Guterman se baseou, já está linkado, não há motivo para ficar apenas com as palavras do jornalista brasileiro, é mais recomendável conferir a informação na própria fonte. Tudo bem, pode ser que o leitor não consiga ler em inglês: neste caso, ele é obrigado a acreditar nas referências de Guterman - mas, então, o link não se faz necessário. Estranho ...



Depois de ter percorrido 75% de seu texto, ou seja, 6 linhas (vale lembrar que as seis linhas de um navegador são bem menores que seis linhas de caderno), vemos novamente uma referência à fonte original da informação. Muito bem, neste ponto, Guterman parece ter obedecido às leis da ética profissional e respeito ao leitor ao mencionar suas fontes. Mas, depois de terminar a leitura dos 25% restantes, o leitor fica com uma leve impressão de que o texto não possui uma voz própria, já que apenas parafraseia a reportagem do Washington Post. Apesar de carecer de certas marcas textuais, eu arriscaria dizer que a última frase ("E o pior é que é bem capaz de dar certo") foi a única que não foi extraída de fontes alheias. Em outras palavras, a última frase deve ser o único ponto em que o articulista coloca seu próprio julgamento crítico - supostamente advindo de sua formação como historiador - justamente aquela formação que o distingue de mim e de você. 

Pois bem, o texto em si não me parece muito digno de ter saído de um jornalista do "tão renomado" Estadão.com. A partir daí, só posso tirar duas conclusões, entre as quais não posso decidir qual é de fato a correta: ou Marcos Guterman não possui a qualificação necessária para ter a poisção profissional que tem, ou não é preciso ter lá muita qualificação para ser um jornalista do Grupo Estado. O mistério permanece não-resolvido. 

Tudo bem, o texto não é lá nenhum espetáculo - nem no sentido positivo e nem no sentido negativo. Pensando assim, o texto não é nada além de medíocre e, por isso, nem merece atenção maior do que os respetivos comentários dos leitores. Se, por um lado, o texto é bem enxuto e não possui nada de extraoridnário, por outro lado, é impressionante ver o sem-número de leituras, as mais diversas possíveis entre si. 

Não diria que os comentários são sem-sentido e não procedem: isso seria ainda crer que o sentido está incrustrado dentro do texto e que nada pode ser lido nele além daquilo que está propriamente codificado ali em forma de linguagem. Muito além disso, é interessante ver a multiplicidade de leituras possíveis e a maneira como os leitores reagem a um texto relativamente simples. E é nesta hora que eu me pergunto: o que será que se passa na cabeça dos leitores do Estadão?



Com uma breve e superficial leitura dos comentários, pude identificar alguns tipos de comentários mais frequentes. Existem os comentários engraçadinhos, dentre os quais se pode ler coisas como "Bin Laden gosta de aquecimento somente em torres gêmeas", "Agora estamos salvos !!! kkkk", "Bin Laden 2010. ESSE É O NOSSO CANDIDATO" entre outros chistes do mesmo estilo. Existem também os comentários engraçados, mas que são os mais tristes jsutamente por não terem sido feitos com esta intenção. Geralmente eles apresentam conclusões absolutamente estapafúrdias ou concepções e conviccções políticas bem pouco razoáveis. Entre os vários exemplares, não pude deixar de contemplar a opinião do leitor Paulo Timbo: "AQUECIMENTO GLOBAL? COM TANTO GELO NO HEMISFÉRIO NORTE? ISSO É PIADA DE ONGUEIRO? AQUECIMENTO GLOBAL NÃO EXISTE MARCOS." Acho que não preciso me aprofundar na questão. O leitor chamado André também coloca uma preciosidade do pensamento político internacional, que copio aqui em baixo:

"Guterman,
Ótimo , aos mesmos moldes do Hugo Chávez !!!
Aliás, a minha dúvida é : se Hugo Chávez segue o Bin Laden ou se o Bin Laden segue o Hugo Chávez !!


sds"


O leitor Marcos Maia escreve (e transcrevo sem alterações): "BIM LADEN ESTÁ MORTO DESDE 2005. O vídeo denúncia é encontrado no YOUTUBE e tb no meu site. Não é bobagem, tem imagens e até depoimentos de autoridades." É interessante que o próprio leitor prevê as possíveis críticas e adianta a justificativa de que "não é bobagem". Por curioso que seja, ele não é o único a defender a ideia de que Osama bin Laden está morto e que, portanto, o video divulgado pelo Washnigton Post é uma farsa. Seguindo esta linha conspiracionista, outros leitores trazem novamente à tona a teoria de que o atentado de 11 de Setembro foi um plano arquitetado pelos próprios Estados Unidos.

Além disso, surgiram diversos comentários sobre o eterno conflito entre cruzados e sarracenos, cristãos e muçulmanos, árabes e "ocidentais", judeus e palestinos, incluíndo comentários repletos de preconceitos semitas, antissemitas, anti-árabes e anti-antissemitas. Mais de um leitor aponta como motivo da não-confiabilidade do texto o fato de Guterman ser judeu e querer difamar os muçulmanos. É certo que o texto superficial de Guterman deprecia abertamente Bin Laden, mas não arriscaria dizer que isso se deve somente ao fato do jornalista ter nascido de pais judeus. 

A partir daí, este comportamento antissemita passa a ser criticado por outros leitores que, por sua vez, são criticados por defender uma identidade judaica de modo excessivo - lançando mão, inclusive, de uma comparação interessante com outros imigrantes no Brasil. E, como a questão do judaísmo entre em cena, é inevitável que venha à tona também o nome de A. Hitler e o regime nazista, responsável pelo genocídio dos judeus na Europa. Para combater esse argumento, surgem também aqueles que acusam os outros genocídios velados, como os do estado de Israel, dos Estados Unidos e da própria colonização do Brasil. 

Todo esse emaranhado de argumentos e contra-argumentos que mutias vezes parecem não se referirem uns aos outros perfazem mais ou menos 90% dos 114 comentários (até o momento da publicação deste post) angariados por Guterman. Somente os 10% restantes representam opiniões sensatas em com alguma pertinência ao texto em si. Dentre esta minoria, me agradou especialmente aqueles leitores que perceberam a leviandade de Marcos Guterman com relação ao tema. Um leitor que se autodenomina "eu" escreve: "Voce é pago para escrever 10 linhas?". A leitora Paula também nota a rajada de estapfúrdios disparada pelos comentários e escreve, em um tom contundente: "De todos os blogs do estadão, acho que o seu é o que mais atrai maluco e gente com déficit de interpretação de texto. Impressionante como acham antissemitismo em tudo!". Outro leitor, que se identifica como John, também nota o que, aparentemente, passou despercebido aos outros:  "Como pode um historiador e jornalista escrever um texto tão pobre e fraco ? Lamentável !". 

Faço minha a voz crocitante desta minoria de leitores que, para a minha alegria, se manifesta e, para a minha tristeza, é a minoria. O texto fraco e superficial - diria até, meio preguiçoso - de Guterman é realmente um desperdício de espaço e tempo editorial. No entanto, não se deve simplesmente jogar a culpa nos editores, redatores e jornalistas pela baixa qualidade do material publicado. Na condição de leitores críticos, devemos arregalar os olhos e abrir o bico para este tipo de gato jornalístico vendido por lebre. Enquanto a maioria dos comentários se ocupava em debater acirradamente temas que, em princípio, sequer dependem da reportagem em questão, o real escândalo acabou passando despercebido: a superficialidade e a baixa qualidade da informação oferecida por um dos maiores títulos do país. 

Para terminar, só um último recado ao articulista em questão: Marcos Guterman, escreva algo condizente com seu salário e sua formação. Ou então, deixe o lugar para outros corvos críticos 

domingo, 31 de janeiro de 2010

Só na matutagem...

Mas e num é que me pára um nego na minha frente e me diz: "fala aê o que que é matutagem!"

E acabou caindo no meu colo a tarefa de definir esta instância mística da mente humana para este blog.

Mas começar explicando a matutagem é embaçado, até mesmo porque será que matutagem tem começo?

Ela é um bicho estranho que não dá pra pegar pelo cauda e levantar feito um tatu e mostrar pra todo mundo. A matutagem não tem começo, meio ou fim... ela só é... matuta-se sempre in medias res (no meio do bagulho), quando a gente se toca, já tá matutando... maturar é um reflexo intelectual.

Parece sem pé, nem cabeça, mas é assim mesmo: a idéia aparece, senta num canto do seu cérebro e fica lá, te esperando, sem pressa, com muita paciência, pitando e enovoando o que está em volta, sem chamar a atenção, só esperando que você tome alguma atitude.

Matutar é um ato cognitvo zen, em que não se tenta pensar numa idéia e nem se evita pensar nela: a idéia apenas se desvela a si própria.

...

Como assim? É simples: tá lá um maluco, sentado de baixo de uma árvore, uma porra duma numa maçã cai, daí o cara se liga: "mano! e se tem uma força que puxa os bagulho pra baixo?!"... Ou estava outro debaixo de uma outra árvore, sentado com os olhos fechados e daí cai, não uma maçã, mas uma fixa: "meu! e se o mundo não existe e tudo não passar de uma ilusão?!"...

E sobre o que se matuta? Uai! Sobre o que se matutar!

A matutagem não tem objeto específico, pode ser sobre como dar um jeito na goteira da cozinha ou sobre a essência da vida humana... cada um matuta sobre o que lhe cabe... mas, acima de tudo, independente de objeto, a matutagem é o gesto primeiro, mas básico e mais puro, pois mais sincero e ingênuo, do pensamento humano. Sem as perfumarias, as firulas, das filosofias, das ciências e de outras formas de desgastar a mágica do mundo. A matutagem é a resposta subjetiva às necessidades principais que se impõem a uma pessoa. Por isso que a matutagem a própria essência e condição da existência humana. Sem a matutagem, a gente estava tudo na roça! Como viver sem saber se virar, sem o improviso, sem a intuição?

Pois matutar é, acima de tudo, uma questão de intuição, pois quem matuta, até que pouco sabe, mas muito desconfia. E é de desconfiança em desconfiança que se fia um universo todo. Uma rede cognitiva em que a gente pode deitar confortavelmente e assistir a vida passando, quase que muito certo de que a gente sabe até quem é...

Matuto, logo existo.

...

Pelo menos é o que eu acho... mas não leve isso tudo que eu disse muito a sério, porque, no fim das contas, são só umas matutagens...