quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

À guisa de apresentação ou Introdução tardia ou Pra quê titulo? ou Penosos começos ou S'embora!

Transtornei a ordem de meus escritos aqui. Em verdade, meus planos primeiros eram publicar este texto antes daquele que publiquei semana passada. Ocorreu que tive de me ausentar de São Paulo e imaginei que minhas atividades começariam justo na semana em que estaria ausente. As condições físicas em que me encontrava, quando me apercebi deste problema, impossibilitaram o adiantamento deste texto que vai hoje. Possibilitaram, somente, a prévia conclusão do texto que foi finalmente publicado. Deixei-o engatilhado, para não faltar ao meu compromisso logo no primeiro dia. Coisa, infelizmente, não incomum na minha vida, aliás.

Retornei a São Paulo a tempo de retomar a ordem que havia previsto. Todavia os ares ilha compridenses me apontaram que este desvio em meu itinerário era precisamente o que poderia conferir alguma graça a ele.

Acabei optando por iniciar travessia com aquele texto não porque pudesse parecer criativo. Não é. A bem da verdade, é cópia. Ao menos, de estilo. Também não optei por ele, somente porque pudesse angariar ao menos a leitura do post da semana seguinte, por trazer em si, talvez, algo de inconclusão.

Optei por ele, por vislumbrar nesta forma algo de combativo. Algo de suficientemente combativo frente aos ataques diuturnos de nosso totalitarismo, que, com seus enunciados-comando incansáveis, nos convoca a aderir certo modo de pensar e de existir em manada. Totalitarismo que não está nem de longe restrito ao nosso modo de lidar com o suicídio ou a morte. Pelo contrário, este talvez seja um terreno quase insignificante do nosso totalitarismo. Talvez. Ataques discretos, que exigem de quem queira recusá-los coragem, volúpia criativa, práticas ebulientes de liberdade. Também esta recusa, em alguns pontos de fuga, eu quis que estivesse presente no texto da semana passada. Mais do que entender como o jogo é jogado - coisa que tentarei fazer doravante - eu quis fazer o jogo jogar.

Além disto, optei abrir meu espaço aqui com aquele texto por ele sintetizar, em boa medida, tudo o que viveremos às quintas. Nele está contido o começo, o meio e o fim do nosso trajeto. A muitos daqueles fragmentos, retornaremos com mais calma. Ele pode ser lido como um espaçoso trailer. Trailer ruim, pois que antecipa o fim. Mas tralier.


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Gostaria, agora, à guisa de apresentação, de agradecer a honra e a distinção por ter sido convidado a ocupar um pedaço deste blog. Convite que ainda hoje me alegra, me espanta, me amedronta.

A alegria vem pela oportunidade de exercitar minha escrita obrigatoriamente uma vez por semana e, portanto, de forjar disciplinada e rigorosamente outros modos de existência neste planeta triste, e de também forjar leitores, interlocutores, companhia.

O espanto já me havia assaltado pelo próprio convite, ele mesmo. Depois, pelas regras do jogo. Esperava, sem saber explicar as razões, que o tema dos posts fosse determinado previamente para os quatro escritores do blog e que apenas a maneira de dispô-lo seria livre. E esperava também que o tema fosse variar de semana para semana. Aliás, creio que nem esperava que a regularidade seria a de um texto por semana. Quiçá eu nem esperasse que fosse haver regularidade pré-definida.

Enfim, o fato é que as regras do jogo são estas: escrever um texto por semana. O tema é livremente escolhido pelo próprio autor, contudo será levado a cabo, regendo todos textos.

O medo é de não cumprir a contento a regularidade desta atividade com a devida dignidade e, sobretudo, a certeza de não conquistar, por mais disciplina a que eu me submeta, a aptidão
necessária para ladear meus companheiros de blog.

Seja como for, regras postas. Ao jogo, pois.

Fiquei emaranhado entre as tramas do problema de qual tema escolher. Lancei mão de quatro critérios.

O primeiro foi: que o tema aborrecesse o menos possível a mim mesmo e oxalá aos virtuais e genéricos leitores. Daí a exclusão de temas muito caros a mim, como o projeto de fazer certa genealogia da alfabetização por um Programa de Analfabetização.

O segundo: que os textos fossem rigorosamente inéditos, que nunca tivessem sido publicados - nem em vias de - em blogs, trabalhos etc. Daí a desistência, por exemplo, de textos sobre Antropofagia e Educação (Na merenda: Oswald de Andrade, Caetano Veloso, Michel Foucault, Gilles Deleuze e outros platões...) a serem publicados, mesmo que alijados, no site “Qorpo sem Orgaoz”.

O terceiro: que o tema não tivesse ainda figurado em minha escrita, para que pudesse desgarrá-la. Daí a exclusão d'Os extraordinários causos sertanejos de Zunhê Zunhá J’ão Catatum Caçador.

O quarto: que seu desenvolvimento dependesse mais de minha boa vontade que da ventura. Daí o abandono dos projetos tanto da “Série arbórea” quanto do “Tarô”, ambos poéticos. Poemas, sabemos, nunca dependem tanto assim de nossa boa vontade.

Desta forma, o tema sobre o qual gostaria de me debruçar neste semestre, caso nosso encontro dure tanto, acabou sendo o suicídio, talvez a morte. Mais especificamente, a nossa relação com a morte. Todavia, necessariamente, minha idéia é combater certa relação com a morte, a partir da escuta do que suicidas têm a dizer. Gostaria de, o quanto possível fosse, ouvir cartas e bilhetes de suicidas. Ouvir as palavras à beira da morte. Poderíamos atentar também a um último livro, como “A hora da estrela”, a uma última entrevista. Outra possibilidade seria a de ler lápides, eptáfios e elegias. Veremos.


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Além de agradecer ao Corvo Crítico o convite, quero agradecer, especialmente, ao Biel Madeira. Sem ele, não há dúvidas, nada disso seria possível. Sem seu justo abraço, sem seu gesto preciso, sem seu olhar sem lágrima, sem seu arado constante em meu pensamento, estas palavras não encontrariam campo em que florescer.

Dedico esta série de textos à Maria Clara. Dentre algumas boas razões, uma merece relevo: ela é (inclusive) minha aluna há um ano. Os professores, creio, deveriam dedicar sua escrita, antes de tudo, a seus alunos. De modo que, caso um terremoto me sucumbisse agora, eu teria deixado estas poucas palavras a ela. Justo. Nem só a ela, claro. Nem só estas palavras, óbvio. Mas, especialmente a ela, especialmente estas palavras.


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Observação final: decidi colocar um fim na nossa travessia com especificamente este tema após seis meses, se o fim não se pontuar a si mesmo antes, pela dignidade de poder escolher quando encerrar. Primeira lição dos suicidas. Restaria para nós, assim, pouco tempo. E já está acabando. Como a vida.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Bicai-vos uns aos outros

Antes de mais nada, seria bom eu dar algumas palavrinhas antes de começar a crocitar. Geralmente, acho que se pode economizar muito tempo e dor-de-cabeça dando menos explicações e colocando mais em prática. Mas, de vez em quando, colocar uma legenda nas próprias atitudes ajuda a evitar ambiguidades, além de ser muito mais seguro do que deixar mil margens interpretativas em aberto.

O Conto-e-Vírgula não é um "grupo dos melhores", não é um "Dream Team", não é um "All Star Team" ou uma coletânea "The best of". Quando pensei em juntar cinco pessoas (sim, ainda falta um...) para montar um blógue, recusei logo de primeira o critério de "qualidade", até porque alimento sérias desconfianças quanto a esse tipo de julgamento. É de senso comum que só se pode julgar o que é bom ou ruim de acordo com determinados critérios estabelecidos e, de toda forma, esses critérios nunca são absolutos. Além disso, é sempre bom lembrar que não faz muito sentido julgar como melhor ou pior elementos de escalas e medidas diferentes - e a diferença, sim!, foi um critério decisivo na hora de determinar quem deveria ou não receber o e-mail de convite do blógue. E por conta disso, acabei tendo de preterir a contribuição de Biel Madeira, por maior que seja o contrassenso deixá-lo de fora (leiam o que ele escreve e vocês saberão do que estou dizendo). E ele não foi o único. O Rueiro Verde também deveria estar por aqui, mas ainda sei se ele ainda escreve ativamente. D.B. também era uma possibilidade - ainda em aberto - assim como J.G. Enfim, como em toda a escolha, o número de elementos excluídos é muito maior do que o de incluídos e o critério para a triagem se prendeu muito mais ao par homogeneidade/heterogeneidade do que bom/ruim.

***


Ele é talvez um dos mais conhecidos representantes da raça dos corvos-críticos na mídia nacional e dificilmente alguém não o contaria como um formador de opinião entre as classes mais esclarecidas. Eu mesmo, quando ainda era um corvo filhote, considerava-o como uma ave de rapina imbatível e de admiráveis presas afiadas. Mas o tempo passa e, seguindo um dos mandamentos dos corvos-críticos, vou agora atacar essa criatura que construiu sua imagem pública baseada no tom contundente de suas críticas. Para quem tiver um pouco de paciência e vontade de ouvir mais de uma vez as suas frases, vai notar que, na verdade, suas declarações não são lá tão consistentes como se imagina. Quem ouvir ou ler pela terceira vez o mesmo texto dele, verá que ele não faz nada mais do que cumprir o seu papel no chamado "jornalismo opinativo".



Certamente alguém pode justificar esse ramo do jornalismo, afirmando que é esse justamente o ponto que o distingue de outros estilos jornalísticos. Este é um argumento extremamente plausível, mas ainda não justifica o endeusamento de determinados elementos dessa espécie da fauna jornalística. Se o papel desse tipo de profissional é simplesmente publicar sua opinião para os leitores/telespectadores sem que pra isso seja necessário qualquer tipo de formação específica (ao contrário de outras editorias, como economia, política internacional, crítica artística, etc), então também reivindico meu direito de fazer o mesmo. Para criticar sem saber do que se está falando, não preciso recorrer a nomes de renome, eu mesmo posso fazer isso.

Na sua coluna na Rádio CBN intitulada "Os comunistas do governo Lula", Arnaldo Jabor mostra porque já está um corvo véio, caquético e decadente que tenta adiar sua morte midiática (não seria esse o caso de um midocídio?) catando migalhas que encontra aqui e ali. Com a recente polêmica sobre Plano Nacional de Direitos Humanos, comentada em todos os meios de comunicação, este velho corvo achou que era melhor não ficar calado e dar um pitaco sobre o assunto a partir do que ele andou lendo e ouvindo na grande mídia. Quem já ouviu o que ele disse ali, percebeu rapidinho que era melhor ele ter ficado de bico calado dessa vez. Nem é preciso ser corvo para notar a superficialidade dos pontos-de-vista de Jabor: qualquer macaco bem treinado percebe que Jabor não se deu o trabalho de pesquisar um pouquinho a mais sobre o tema de que fala.

Ok, Arnaldo Jabor não é um especialista em direitos humanos e, considerando o amplo leque de temas comentados por ele, seria realmente impossível ser especialista em todos eles. Isso ainda não livra a cara e o pau de nosso chute neste cara-de-pau. Posso estar errado mas, até onde eu saiba, Sírio Possenti também não é especialista em direitos humanos, mas procurou se informar um pouquinho melhor para evitar as grossas bobagens que Arnaldo Jabor apenas arremedou do que ouviu por aí.

Eu sinceramente fiquei em dúvida se Jabor realmente acredita que o PNDH foi elaborado pelos tais comunistas do governo Lula, ou se ele estava sendo irônico (como se sabe, a ironia é a figura de linguagem que expressa exatamente o oposto do que se quis dizer ...). A partir daí, só pude tirar duas conclusões: (1) Jabor ainda tem uma concepção meio "arcaica, ultrapassada, inútil e inoperante" sobre alguns conceitos como "esquerda", "social-democracia" e "comunista"; (2) Jabor não deve saber exatamente do que se tratam os "direitos humanos".

Tudo bem, eu aceito que ele talvez não tenha lá muita afeição por ideias políticas de esquerda. Mas não consigo entender como ele apurou o fato de que foram os comunistas que elaboraram o PNDH. Gostaria muito de saber, mesmo. Ao que parece, a cabeça de um velho é a dele, que ainda afirma com convicção no tom de voz um certo conspiracionismo comunista que sustenta qualquer coisa que não defenda o ideario conservador pasteurizado pela mídia tradicional. A considerar a firmeza de suas declarações, tenho a impressão de que Jabor se vale de uma riqueza de figuras retóricas que fazem o ouvinte imaginar pragas urbanas destruidoras para maquiar sua visão de política parca e ainda estacionada na guerra fria.

Não é só a imagem dos "roedores" e dos "ratos" que criam o efeito icônico que pretende iludir o ouvinte. Jabor também fala da "cabeça do governo" (claramente uma personificação), de "papelzinho escrito","papéis mofados", "cascas de banana" (sem contar a segunda personificação da "sociedade" escorregando...), "pequenas picadas", além dos trechos em discurso direto que visam, claramente, representar na mente do ouvinte uma cena absurda e causar o repúdio do ouvinte. É admirável a habilidade de Jabor de usar diversos recursos estilísticos que, no entanto, não conseguem mascarar sua visão rasa e excessivamente conservadora sobre a tal "liberdade de imprensa" e a lei da anistia.

Se assumirmos o ponto-de-vista colocado por ele, então tenho a impressão de que poderíamos deixar de lado todos os crimes de guerra praticados pelas tropas da SS, todos os assassinatos legalizados cometidos nos governos totalitários dos bálcãs e também aqueles praticados nas ditaduras da América Latina. Afinal, seguindo o raciocínio de Jabor, os militares já nem sabem mais o que foi isso e os generais já devem estar todos mortos.

Ainda continuando assim, acho que poderíamos também simplesmente ignorar o fato de que a cessão de direitos de transmissão de rádio e televisão é concedida pelo governo e, no entanto, ninguém considera isso como algum tip ode restrição da liberdade e da democracia. Também deveríamos, assim, "deixar a imprensa" em paz para abusar de seu infinito poder de infiltrar em milhares de casas e mentes sem qualquer espécie de regulamentação que vigie os possíveis absurdos que a mídia comete com frequência sem precisar da qualquer satisfação a ninguém. Mas acho que, nesse caso, a conivência de Jabor pode até ser justificada: se ele dá uma opinião que desagrada os seus patrões, talvez ele não chegue nem a publicar a coluna do dia seguinte...Corvo de rabo preso não pode dizer o que quer.

Na cabeça de Arnaldo Jabor, pode ser que os espectadores e ouvintes sejam dóceis ovelhinhas que ainda acreditam na enganosa divisão no jornalismo entre a "informação" e a "opinião". Quem parece estar enganado na verdade é ele. Enquanto houverem corvos no meio do público, vai ficar um pouquinho mais difícil para Jabor enfiar goela abaixo essa ração diária mal-preparada em forma de "coluna de opinião".

***

Ah, antes que eu me esqueça: Arnaldo Jabor, ainda estamos de olho em você.

domingo, 24 de janeiro de 2010

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"Estava a velha no seu lugar
Veio a mosca lhe fazer mal
A mosca na velha e a velha a fiar"

Pois estava certo dia este pantera sob sua árvore (mesmo que esta não fosse lá nenhuma bodhi) deveras compenetrado em suas felinidades ao perceber um estranho som a vir de um ponto desconhecido de seu recanto.

Tomado pelo vício conhecido por matar felinos, este aproximou-se para ver do que se tratava e deparou com outro sombrio habitante naquela árvore: um corvo a crocitar algo ininterruptamente.

- Blog! Blog! Blog!
- O quê?
- Façamos um blog! - Crocitava o corvo.

Este felino que agora escreve aceitou o convite, pois, se não é um bom augúrio um corvo, por que o seria rejeitar um convite destes? Ainda mais vinda de um Corvo que, além de corvo, é Crítico? Panteras são seres dotados de certa perspicácia... pelo menos o suficiente para saber que algo mais perigoso que um corvo é um crítico, uma vez que esse ser alimenta-se não só de mortos, mas principalmente de vivos e agonizantes (nesta passagem, talvez alguns dissessem "ponto."), e, sem saber qual das duas naturezas imperava de fato sobre a índole do Corvo, aceitou (até porque um blog é uma ótima ideia).

E eis que nasce o Conto-e-vírgula, que, como toda boa ideia, surge do nada e sem grandes pretensões.

Mas pra quer ter dois animais tão sombrios e de mau augúrio em um mesmo blog? Qual as intenções do Corvo Crítico em convocar este Pantera? O Corvo já se apresentou e se explicou, então só cabe a mim conjecturar a cerca de mim mesmo para ver se as coisas fazem algum sentido.

Talvez porque felinos são seres de sombra, acostumados a ver luz onde há pouca... e nenhum felino é mais de sombras do que um Pantera, que o é por inteiro...

Talvez porque felinos, por seu gosto por saltos, sejam seres que aspirem o alto... ainda que com patas tão firmemente calcadas no chão...

...

Não sei... só posso avisar aos leitores que este felino é um animal dedicado à matutagens de alta transcendência... portanto, céticos, por favor poupem tanto os seus olhos quanto a minha paciência...

E um último aviso: fui incumbido pelo Corvo de, mantendo a tradição dos felinos, ser o guardião, mas não de nenhum portal ou direção, apenas dos domingos deste blog...