Descrita em alguns anúncios promocionais como “uma democracia que fala espanhol”, Costa Rica sofreu seu último golpe militar de Estado em 1917, abolindo seu exército em 1948 (atitude inédita à época) e transformando seus quartéis em museus. A singularidade costarriquenha na conturbada América Central é cultivada por seu povo, que vê nessa diferença o fundamento de sua identidade nacional. De fato, no ano que passou o país celebrou 120 anos de democracia, ainda que tal conta esqueça o período de ditadura do general Tinoco (1917-9) e a guerra civil em 1948.

A permanente necessidade de mão-de-obra levou a concessões referentes a salários e incentivos outros, tais como estabelecimento de períodos de férias e políticas de saúde. Nesse contexto, a violência institucional indiscriminada (comum em outros países da América Central) não se justificaria na Costa Rica, visto que um ambiente conflituoso comprometeria a própria viabilidade do país. A própria extinção do exército se deu após um contexto de ruptura institucional em 1948, graças ao receio dos agentes sociais da época do potencial desestabilizador da manutenção de forças armadas regulares; desde então, a segurança pública e manutenção da ordem é empreendida por uma Guarda Nacional. Essa especificidade trouxe ao menos dois resultados benéficos:
1) Liberou recursos a serem investidos em áreas prioritárias, como educação (94,9% da população é alfabetizada; na vizinha Honduras, 64,5%), e saúde (a expectativa de vida é de 77,58 anos; em Honduras, de 71,5; no Brasil, 71,99) hoje a Costa Rica gasta apenas 0,4% do PIB com a Guarda Nacional (é o 164º país no ranking da CIA; o Brasil é o 62º, com 2,6%).
2) Assegurou a legitimidade da Costa Rica como país-mediador de conflitos na América Central.
Os predicados democráticos foram elevados a novo nível após a declaração do então Presidente Luis Alberto Monge Álvarez, que, em 17.11.1983, declarou a neutralidade perpétua, ativa e não-armada da Costa Rica. A neutralidade é instituto jurídico pelo qual um Estado se abstém de tomar parte entre conflitos entre terceiros; o território de um Estado neutro é inviolável. Posteriormente transformada em lei, a declaração de neutralidade perpétua e ativa fundamentou o protagonismo costarriquenho na iniciativa de pacificação da América Central na década de 1980 – Grupo de Contadora (que renderia o Prêmio Nobel da Paz de 1987 ao então presidente Oscar Arias) –, estabelecimento do Ano Internacional da Paz pela ONU (em 1986) e, recentemente, gestões para o tratamento da crise institucional em Honduras, novamente sob os cuidados do Arias, eleito para novo mandato em 2006. Todos esses elementos justificam o apelido de “Suíça latino-americana”, o qual é visto com bons olhos pelos próprios costarriquenhos.
A preocupação com a proteção dos direitos humanos é outra característica geralmente associada à Costa Rica, cuja candidatura para sediar a Corte Interamericana de Direitos Humanos à época de seu estabelecimento encontrou pouca oposição. Essa Corte, aliás, é baseada na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também conhecida como “Pacto de San Jose da Costa Rica”. A Corte IDH, aliás, é cenário para ao menos um episódio pitoresco que demonstra a maneira costarriquenha de tratar a temática dos direitos humanos. Em 1981, nos primórdios do sistema de proteção regional, ansiosa pelo seu efetivo funcionamento após cerca de 2 anos sem que nenhuma propositura ingressasse no sistema (lembrando que diversos países da América Latina eram governados por ditaduras no começo da década de 1980), o Estado costarriquenho resolveu ingressar com uma ação contra si mesmo (Assunto Viviana Gallardo e outras), franqueando à Corte IDH decidir se suas ações constituíam violações de direitos humanos consagrados no Pacto de San Jose; embora reconhecesse a boa-fé costarriquenha, a Corte julgou o pedido improcedente.
Para não dizer que falei apenas de flores, Costa Rica muitas vezes é tachada de protetorado norte-americano, devido aos grandes investimentos desse país na democracia centro-americana e nas relações bastante próximas entre San Jose e Washington. Os EUA viam na Costa Rica um paradigma a ser exportado para os países vizinhos, uma vitrine de prosperidade a concorrer com os regimes de inspiração socialista que grassavam na região. A influência norte-americana se deu, ainda, na resistência costarriquenha em aprofundar processos de integração econômicas na América Central, privilegiando sua inserção no mercado global (tal como propugnado pelo Partido Republicano dos EUA). Iniciativas como o estabelecimento de estruturas de integração regional (SICA – Sistema da Integração Centro-Americana) e o amplo debate (decorrente de viva oposição por setores da sociedade) antes do estabelecimento de área de livre comércio mais amplo (no caso, a DR-CAFTA – Dominican Republic-Central American Free Trade Agreement, ratificada pela Costa Rica após aprovação em plebiscito realizado em 2007) demonstram a mitigação influência norte-americana sobre a nação centro-americana.
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Concluo minhas breves considerações com a estrofe de uma canção composta pelo poeta José Basileo Acuña Zeledón, um instantâneo do "ser" costarriquenho:
Que este Valle Central en que vivimossea una copa de Paz abierta al cielo,que contenga y difunda a todo el mundola Paz que anhela y vive Costa Rica,la Paz Eterna por ser Paz del almahecha a imagen de Dios para servirley servir a los seres que ha creado.
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