terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Nota sobre a Internet e cidadania ampliada

Um dos efeitos mais óbvios do advento e massificação da Internet no mundo é a ampla e rápida disseminação da informação. Outrora confinada a meios físicos e cronogramas poucos flexíveis, a notícia hoje deixou de ser monopólio de poucos intérpretes (notadamente os jornais), transformando-se em um feixe de visões e análises tendente ao infinito. As implicações da utilização da Internet como ferramenta democrática de informação constitui um tema que tem atraído cada vez mais meu interesse, o que não constitui novidade alguma quando se é alguém "de esquerda" (i.e., ligado inexoravelmente a agendas que evoquem mudanças sociais). A proximidade (até profissional) com bits e bytes apenas acentuam minha curiosidade sobre até onde chegaremos com essa brincadeira toda. Pretendo retormar esse assunto muitas vezes neste espaço; agora, porém, minha intenção é compartilhar uma reflexão ligeira sobre a utilização de novos meios como instrumento de mudança.

Faço referência à recente manifestação de moradores da região da Várzea do Rio Tietê em frente à Prefeitura de São Paulo. Como noticiado em diversos jornais paulistanos, o ato pacífico foi marcado pela violência da Polícia Militar de São Paulo, a qual teria supostamente reagido a pedras atiradas contra alguns policiais. O 'modus operandi' da PMSP merece, por si só, uma análise mais detalhada em um post futuro (especialmente no que se refere à sua vinculação com uma cultura de violência institucional própria de sociedades que enfrentaram ditaduras e não fizeram a devida transição rumo à democracia). Esta breve nota tem por objetivo compartilhar um exemplo de construção da informação "de baixo para cima", um verdadeiro "jornalismo de guerrilha" que só é possível devido à evolução técnica dos meios nos dias que correm.

Isto posto, passo a me referir à análise empreendida por Maria da Conceição Carneiro Oliveira, historiadora, educadora e ativista pelos Direitos Humanos que, por meio de relato a partir de sua experiência em campo, trouxe elementos ao debate que escaparam (e escapam quase sempre) às abordagens da imprensa tradicional. Exemplos: a) a situação calamitosa vivenciada pelos moradores presentes na manifestação data de antes do início das chuvas mais intensas (ou seja, São Pedro é menos culpado do que quer fazer crer a Administração Municipal); b) a irregularidade da situação dos moradores não foi considerada quando da cobrança de taxas para asfaltamento de ruas da região; e c) o descaso de alguns médicos sanitaristas, que dão pareceres negativos para a ocorrência de leptospirose mesmo estando presentes todos os sintomas. A suposta reação da PMSP a pedradas dos manifestantes é desconfirmada pelo registro preciso de Maria da Conceição, ilustrada com fotos e vídeos.


O vídeo acima mostra o início da agressão policial que mesmo diante dos parlamentares empurraram os manifestantes e iniciaram o ataque com o spray de pimenta. [Fonte: Blog de Maria da Conceição]

Frases como "a liberdade de expressão é a melhor garantia de uma sociedade democrática" são repetidas desde o séc. XIX porém, mesmo hoje, vemos que esse importante princípio é instrumentalizado, especialmente pela utilização do argumento que iguala à censura qualquer tipo de controle social ou responsabilização por abusos. Para os detentores de voz no mercado altamente concentrado da imprensa tradicional, o direito de liberdade de expressão se confunde com o direito à propriedade privada (vide o modo com as concessões públicas de rádio e TVs são brandidas pelos concessionários como se privilégios vitalícios fossem). Iniciativas como a de Maria da Conceição mostram que vivemos num tempo em que a idéia de cidadania experimenta uma ampliação transformadora, na qual um olhar atento à realidade, uma câmera digital e em blog nas mãos valem mais do que mil palavras do jornal que estará embrulhando o peixe de amanhã.

Um comentário:

Corvo Crítico disse...

Achei muito bom quando a MariaFrô comenta que a blogosfera deveria fazer algo mais do que simplesmente reproduzir noticias. É sempre bom poder fugir do ponto-de-vista asséptico da mídia gorda e poder ter outras perspectivas dos "fatos", mais ou menos com oaconteceu com os movimentos da usp recentemente.

Esse vídeo é a melhor prova do tal "modus operandi" da PM, que sempre alega uma suposta agressão para justificar a violência desproporcional. E, nesse caso, os manifestantes eram claramente pessoas prejudicadas.