segunda-feira, 8 de março de 2010

Infográficos esquisitos

Geralmente, nosso cotidiano atribulado e repleto de afazeres tende a anestesiar o corvo-crítico que mora dentro de cada ser humano e, neste ponto, eu arriscaria dizer que os jornais são em boa parte responsáveis por essa sensação de sufoco e correria do dia-a-dia, na medida em que tentam nos fazer crer que muitos fatos acontecem no mundo e que precisamos tomar conhecimento de todos eles. 

Debaixo desta avalanche de novidades (supostamente) importantes e decisivas, o público deve não se deixar levar por uns e outros engodos que tentam passar despercebidos. Entre eles, biquei um infográfico sobre o programa nuclear do Irã que não merece um adjetivo melhor do que "esquisito".


Em algum ponto dos cursos universitários de jornalismo, os focas ainda em processo de formação para virarem burros (ou cobras, a depender do caráter de cada um) devem aprender sobre a necessidade de tornar a matérias mais interessante com fotos e infográficos que ilustrativos. O que talvez não ocorra à maioria deles - pelo menos a deduzir do que vejo efetivamente publicado nos jornais da "grande mídia" - é que as funções de "ilustrar" e "informar" frequentemente não são compatíveis: uma boa evidência disso é o fato de que a embalagens de produtos alimentícios advertem o consumidor sobre a "foto ilustrativa", indicando uma certa chave de leitura da imagem. 

Esse tipo de postura ética, ainda que soe meio infantilódie, parece faltar no caso do gráfico acima. As normas mais elementares da estatística rezam que gráficos devem ter uma escala. Uma escala é uma associação entre dois parâmetros: um geralmente mais abstrato (um número ou porcentagem) e um mais concreto (distâncias ou proporções espaciais). A explicação pode parecer, mais uma vez, bem imbecil, mas ainda assim a redação parece tê-la esquecido ou ignorado. Deixando de lado os rigores da informatividade e da estatística, uma outra explicação se mostra bem mais simples e plausível: a imagem não tem a função informativa, mas sim ilustrativa. 

Neste caso, a associação não é mais entre números e espaçoes, mas sim entre cores e axiologias. Enquanto os produtos obtidos pelo enriquecimento nuclear iraniano não incomoda os interesses ocidentais - se é que esse termo cabe aqui -, a cor verde recobre os gráficos de porcentagem de urânio 235 e do desenrolar cronológico. Vale apena notar que a legenda diz "mais de 1 ano", o que, segundo a lógica, pode significar 2 anos, 3, 5, 10 anos ou qualquer número acima disso, já que, matematicamente, todos estes valores são maiores do que um. Parece imbecil dizer isso, mas é o que de fato está ali publicado.

Por um toque de mágica, os seis meses que se seguem a este período de "mais de um ano" se recobrem de um vermelho de alerta para o grande risco do Irã atingir os 90% de enriquecimento de urânio e finalmente ter condições de construir uma bomba atômica. O inapelável devir do tempo leva a uma catástrofe diabólica cujo resposnável não é ninguém além do governo iraniano. O que o infográfico - conforme nos é apresentado - parece ignorar é que o desenvolvimento da história tem vicissitudes e acidentes não previsíveis por raciocínios indutivos. Se tudo ocorresse como modelos matemáticos, então poderíamos prever o futuro com uma precisão absoluta em um prazo de centenas de anos, já que até mesmo planetas já foram descoberto dessa maneira. No entanto, o curso da história não se deixa aritmetizar e sempre permite os mais diversos desvio. Desde catástrofes naturais até golpes de estado e reviravoltas eleitorais podem mudar todo o rumo daquilo que era previsível pelos cálculos demonstrados por engenheiros e físicos. Um último argumento para desconfiar da capciosidade do gráfico disfarçado de inocente é o fato de que os Estados Unidos invadiram o Iraque sobre o pretexto de encontrar e desativar as supostas armas nucleares mantidas pelo governo iraquiano, que nunca foram encontradas pelos agentes americanos desde o início da guerra em 2002.

Peço desculpas se menosprezei a inteligência de alguém com explicações tão exageradamente primárias e até mesmo imbecis. Mas, se o material publicado nos jornais não correspondem até mesmoa  raciocínios lógicos tão toscos como estes que eu trouxe aqui, então o que nos chega em forma de notícia deve estar ainda abaixo deste nível. E uma tal grosseria com o senso crítico do público não merece nada além de outra grosseria de mesma natureza.

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